Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a agenda climática deixou de ser restrita a ambientalistas e se tornou crucial para a política internacional. E o Brasil, com sua vasta biodiversidade, tem tudo para assumir o protagonismo no tema.
O Brasil sedia atualmente uma tríade de eventos internacionais que lançam as bases para o ambicioso plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fazer do país um líder em transição energética e sustentabilidade. Ambos os temas estão no centro do debate da comunidade internacional, impulsionados pelos eventos climáticos observados ao redor do mundo.
O primeiro evento internacional é o G20, que promove uma série de reuniões com autoridades estrangeiras, que, dentre outras coisas, tratam da questão climática e preparam o terreno para as discussões na 30ª Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP30), marcada para agosto de 2025, em Belém, no Pará. Somado a isso, no próximo ano o Brasil assume a presidência do BRICS e terá a oportunidade de fechar acordos de cooperação na área com parceiros do grupo em eventos a serem realizados no país.
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a questão climática deixou de ser um assunto restrito a ambientalistas e hoje é um tema-chave para a política internacional. Eles destacam que o Brasil, dotado de uma vasta biodiversidade, tem tudo para assumir um papel de liderança no tema.
Por que Lula fez da agenda climática uma prioridade do Brasil?
Thomas Ferdinand Heye, professor do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest) da Universidade Federal Fluminense (UFF), enfatiza que, ao fomentar o debate climático, o Brasil pavimenta o caminho para avançar em termos econômicos e políticos.
"Como desdobramento, abre-se uma janela de oportunidade que o governo Lula ambiciona aproveitar para ser reconhecido como um dos principais protagonistas no tema no cenário internacional atual. Desta forma, o Brasil pode se posicionar como uma liderança global em questões ambientais, aumentando sua influência nas negociações internacionais", afirma.
Ele ressalta que os benefícios de assumir essa posição são muitos, "dado que o Brasil tem um papel vital na mitigação das mudanças climáticas e na transição para fontes de energia renovável, o que pode ajudar a reduzir as emissões de gases de efeito estufa".
"Soma-se a esse ponto que o país possui uma abundância de recursos naturais, como sol, vento e água, que podem ser utilizados para gerar energia limpa que promove a sustentabilidade e a segurança energética. A sustentabilidade, por sua vez, é fundamental para garantir que o desenvolvimento econômico não comprometa as necessidades das futuras gerações. O Brasil pode se tornar um modelo em práticas sustentáveis."
Por sua vez, Clayton Pegoraro, professor do mestrado em economia e mercado da Universidade Mackenzie, concorda que o Brasil tem condições de liderar o debate sobre sustentabilidade, sobretudo por conta da tecnologia que há anos vem sendo gerada no país.
"O Brasil tem condições de liderar [o debate], inclusive por conta de energia limpa, da geração de energia limpa e outros pontos que o Brasil vem avançando muito. Empresas que investem em carros elétricos estão chegando aqui no Brasil com novas tecnologias, acho isso muito importante. A questão até dos combustíveis biodiesel e tudo mais, o etanol também, isso é importante para o Brasil liderar", afirma.
Entretanto, ele afirma que essa liderança vai depender dos interesses daqueles que ele classifica como "adversários tecnológicos e políticos do Brasil". "O lobby do petróleo ainda é muito grande no mundo", afirma o especialista.
Trump pode minar as intenções do Brasil?
Um dos eventuais desafios a serem enfrentados pelo Brasil é o iminente afastamento dos EUA da pauta climática, em decorrência da vitória de Donald Trump na última eleição presidencial norte-americana. Isso porque, em seu primeiro mandato (2017-2021), o líder republicano se mostrou radicalmente contra a discussão do tema e questionou a veracidade das mudanças climáticas, chegando a afirmar que eram uma farsa criada pela China.
Para Pegoraro, a vitória de Trump enfraquece o debate ambiental não só no Brasil, mas no mundo, uma vez que o republicano e seus aliados têm um discurso que vai "na contramão da questão ambiental".
"Vamos aguardar, isso é só a partir de janeiro [quando Trump toma posse] que nós saberemos com as primeiras medidas de Trump. Mas, no primeiro momento, eu acho que ele vai continuar favorecendo os meios de produção mais poluentes."
Entretanto, ele afirma que um possível distanciamento dos EUA das questões climáticas capitaneado por Trump não afetaria a capacidade do Brasil se manter na liderança, ou ao menos no centro do debate das questões ambientais.
"O Brasil sempre está [no centro do debate climático], sobretudo por causa de Floresta Amazônica, [da atuação de] ambientalistas. Mas o Brasil precisa alinhar melhor o discurso nessa questão do meio ambiente. O Brasil vem enfrentando problemas de queimadas, desmatamento, então precisa alinhar um pouco esse discurso, principalmente com seus parceiros da Europa, para afinar e tentar melhorar os entendimentos e parcerias que estão por vir, inclusive no mega acordo que nós temos em andamento ainda Mercosul-União Europeia. Acho que o Brasil pode ser um player importante nisso."
Heye, por sua vez, observa que a eleição de Trump pode criar um "ambiente hostil" às discussões sobre o tema, especialmente em eventos internacionais como a COP30. Ele frisa que Trump "tem um histórico de descredibilizar a ciência climática e de promover políticas que favorecem combustíveis fósseis".
"Isso pode criar um ambiente hostil às discussões sobre redução de emissões e compromissos climáticos na COP30, além de os EUA poderem optar por não renovar ou até mesmo reverter compromissos assumidos anteriormente, como os do Acordo de Paris, o que poderia desencorajar outros países a seguir políticas climáticas mais rigorosas. Em resumo, como uma das maiores economias do mundo e um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, a posição dos EUA nas negociações é crucial."
Heye concorda que "o Brasil tem potencial para manter um protagonismo nas questões climáticas, mesmo com um possível distanciamento dos EUA". Mas ele observa que isso vai depender do sucesso do Brasil na preservação e manejo sustentável de seus vastos recursos naturais, que proporcionariam ao país destaque e credibilidade junto à comunidade internacional como um líder em iniciativas de conservação.
"Desta forma, embora o distanciamento dos EUA possa apresentar desafios, o Brasil possui os recursos e a capacidade para manter um papel importante em relações às questões climáticas. A chave será o comprometimento contínuo com a sustentabilidade, a conservação e a colaboração internacional", ressalta.
Como o BRICS pode auxiliar o Brasil na busca pela liderança no tema?
Para Heye, caso Trump venha de fato a afastar os EUA das questões climáticas, há boas alternativas de parcerias junto a parceiros do BRICS às quais o Brasil pode recorrer.
"A China é um dos líderes mundiais em energia renovável, especialmente em energia solar e eólica, tem investido em políticas para reduzir suas emissões e pode ser um aliado importante nas negociações climáticas internacionais. Já em relação à Índia, o país também enfrenta desafios significativos relacionados às mudanças climáticas e pode se beneficiar de uma colaboração com o Brasil em tecnologias sustentáveis e práticas agrícolas, assim como desenvolver projetos conjuntos em energia renovável e conservação que podem fortalecer a posição de ambos os países nas discussões climáticas", afirma o especialista.
Ele acrescenta ainda que a África do Sul possui uma experiência significativa em negociações climáticas e pode ser um parceiro valioso para o Brasil no fortalecimento de uma agenda comum, dado que ambos países enfrentam questões de desenvolvimento sustentável e podem colaborar em abordagens que equilibram crescimento econômico e conservação ambiental.
"Em suma, a cooperação dentro do BRICS pode oferecer ao Brasil uma plataforma alternativa para promover a agenda climática, diversificando suas parcerias e fortalecendo sua posição nas negociações internacionais", conclui Heye.
Melissa Rocha, da Sputnik Brasil