Conspiração no Alvorada: os 61 dias em que Bolsonaro e aliados tentaram reverter o resultado das eleições em 2022
24/11/2024 06h06
Reportagem do GLOBO analisou mais de mil páginas de relatórios de investigações da Polícia Federal e ouviu 28 pessoas que assessoravam e estiveram com o ex-presidente em seus últimos momentos no poder
‘‘Sai todo mundo”, disse Jair Bolsonaro para os poucos auxiliares que o acompanhavam na biblioteca do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, no início da noite daquele domingo, 30 de outubro de 2022. As únicas vozes que se ouviam no local ressoavam da TV. Dela, era possível ouvir a notícia de que, com mais de 90% das urnas apuradas, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno já podia ser dada como certa.
Meia hora antes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do então presidente, já havia jogado a toalha. Sentado à mesa, fazendo contas no celular, vaticinara que a eleição estava perdida. No grupo de WhatsApp de ministros do governo, era possível ler o aviso de Mauro Cid, então ajudante de ordens: ninguém deveria aparecer por lá. Os dias seguintes seriam marcados pela reclusão de Bolsonaro.
Embora evitasse dar declaração pública logo após a sua derrota nas urnas, o ex-capitão do Exército não estava em silêncio nos bastidores. A Polícia Federal concluiu na última quinta-feira que Bolsonaro e aliados tramaram um golpe contra a democracia — que envolvia a prisão de autoridades públicas e até o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), do atual presidente Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin. Ao todo, 37 pessoas foram indiciadas. Entre elas, o ex-presidente e 24 militares, que negam as acusações.
A conclusão dessa investigação está sob sigilo. Mas, para reconstituir os principais momentos da trama golpista, o GLOBO ouviu 28 pessoas que assessoravam e estiveram com Bolsonaro em seus últimos momentos no poder, analisou mais de mil páginas de relatórios da PF, decisões judiciais e depoimentos de alvos de investigações.
‘Vai ser o caos’
Dois dias depois do resultado das urnas, por volta das 7h, o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mal tinha engolido o café quando soube que o senador Flávio Bolsonaro estava na porta de sua casa:
— Você precisa me ajudar a convencer meu pai a anunciar a transição ou vai ser o caos.
A poucos quilômetros dali, no Alvorada, o dia de Bolsonaro também começou cedo. Antes das 9h, o general Marco Antônio Freire Gomes, o almirante Almir Garnier Santos e o tenente-brigadeiro Carlos Baptista Júnior, comandantes das Forças Armadas, acomodavam-se em uma mesa para uma reunião com o presidente. Completavam o grupo os ministros da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o advogado-geral da União, Bruno Bianco.
Durante uma hora, discutiu-se se havia meio jurídico para questionar o resultado da eleição. Chegou-se a debater a possibilidade de usar o artigo 142 da Constituição Federal para fazer uma interpretação forçosa de que as Forças Armadas poderiam “defender as instituições democráticas” atuando como poder moderador, uma tese que o próprio STF já rechaçou. Parte da mesa se mostrava desconfortável com essa possibilidade. Bianco argumentou que não via qualquer espaço para esse entendimento. Freire Gomes disse que não enxergava forma de o Exército agir. Bolsonaro pareceu anuir, mas não desistiu de pensar em uma solução para continuar no poder.
À tarde, a reunião seria mais longa. Sob pressão para reconhecer o resultado das eleições em público, Bolsonaro intimou a sua equipe para uma reunião no Palácio da Alvorada. Entre ministros, parlamentares, filhos e auxiliares, quase 40 aliados se encontraram para debater como seria a sua primeira fala após perder as eleições. Mais de duas horas de discussões depois, o comunicado ficou pronto. O ex-presidente disse que continuaria cumprindo a Constituição. Coube a Ciro anunciar que iniciaria a transição de governo.
No fim daquele dia, um Bolsonaro até sorridente se colocou frente aos ministros do STF, fez piada sobre futebol, segundo um dos presentes. O ministro Edson Fachin saiu da sala dizendo que o presidente reconhecera a derrota nas eleições, ao menos para os integrantes da Corte. Tudo parecia resolvido.
No dia seguinte, porém, Bolsonaro voltou a se encontrar a portas fechadas e sem registro na agenda com os comandantes das Forças, que ficavam cada vez mais desconfiados da intenção do presidente. Entre um assunto e outro, o então mandatário reclamava que era preciso “parar os abusos de Alexandre de Moraes”, de acordo com relatos dos próprios militares tempos depois.
DEPRESSÃO
Quem visitava o então presidente na residência oficial costumava dizer que o encontrava cabisbaixo. Era a fase da “depressão”, dizem aliados. Até então, Bolsonaro nunca tinha perdido uma eleição desde 1988. Para piorar a sua frustração, ele também passou a lidar com uma crise de erisipela na perna, que o forçava a ficar constantemente de bermuda e colocar os pés para o alto onde quer que parasse.
Além de ministros e ajudantes de ordens, Bolsonaro recebia aliados, como o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) para discutir, entre outros assuntos, o uso das Forças Armadas para postergar a passagem de poder para Lula ou ainda viabilizar uma “auditoria” da eleição.
Por isso, Bolsonaro ficou irritado quando, em 9 de novembro, o Ministério da Defesa encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um relatório afirmando não ter encontrado fraudes no sistema de votação do país. O então presidente não gostou da conclusão. Não tardou para a pasta divulgar uma nota, afirmando que o documento “não excluía a possibilidade de fraude”, embora não a tivesse apontado.
Naquele mesmo dia, o general Mario Fernandes, número dois da Secretaria-geral da Presidência, havia deixado o Palácio do Planalto rumo ao Alvorada com um documento de três páginas impresso pouco antes em seu gabinete. Para os investigadores da PF, tratava-se do plano “Punhal Verde e Amarelo”, um complô para prender e assassinar o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, Lula e Alckmin. Fernandes integrava os “kids pretos”, grupo de militares das “Forças Especiais” do Exército brasileiro.
Foi também a um "kid preto" que Cid recorreu cinco dias depois quando precisava de uma estimativa de gastos para colocar o plano golpista em prática. O ajudante de ordens escreveu ao major Rafael Oliveira, conhecido como Joe, para perguntar se R$ 100 mil seriam suficientes. Ouviu que sim. Naquele momento, Bolsonaro apresentava aos comandantes das Forças Armadas os achados do relatório do “Instituto Voto Legal”, que apontava falsamente para uma fraude no processo eleitoral.
Em 15 de novembro, milhares de apoiadores de Bolsonaro saíram às ruas bradando contra o STF e a eleição de Lula. À noite, o celular de Cid recebeu uma mensagem de Joe, avisando que já levantara as “necessidades iniciais” de um plano que teria como objetivo “neutralizar” Moraes. Em 18 de novembro, o general Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro, decidiu falar a apoiadores nos jardins do Alvorada:
— Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar agora.
‘MINUTA GOLPISTA’
O assessor especial da Presidência Filipe Martins e um pequeno grupo de aliados foram ao Alvorada em 19 de novembro, um sábado, debater com Bolsonaro um texto que, entre outras coisas, faria uma intervenção no TSE, abrindo espaço para medidas de exceção, como a prisão de adversários políticos. Segundo relato de Cid, o presidente ouviu e pediu ajustes na minuta golpista. Cinco dias depois, os três comandantes das Forças Armadas foram convocados novamente ao Alvorada para ouvirem do então mandatário as medidas “em estudo”. Garnier, então comandante da Marinha, colocou-se à disposição, segundo relato dos presentes. Os demais militares, não.
A segunda-feira, 9 de dezembro, marcaria uma virada no comportamento de Bolsonaro. Naquela manhã, o presidente passou horas reservado, revisando e “enxugando” a minuta golpista, como relatou Cid a Freire Gomes por mensagem. À tarde, o então presidente quebrou o silêncio. Após algumas semanas de isolamento, dirigiu-se a um grupo de apoiadores em frente ao Alvorada e disse que nada estava perdido e que estava diante de um “momento crucial”. Pouco depois, cruzou os portões do Alvorada o general Estevam Theófilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, cuja adesão à trama golpista era vista pelo grupo de Cid e dos “kids pretos” como essencial, já que o chefe do Exército resistia à intentona.
As conversas pareciam ter animado Bolsonaro que, nos dias que se seguiram, caminhou por mais duas vezes até o espelho d’água do Alvorada para saudar apoiadores, mas não discursou. Foi o que ocorreu na tarde de 12 de dezembro, pouco após a cerimônia em que Lula e Alckmin foram diplomados no TSE. À noite, bolsonaristas radicais tentaram invadir a sede da Polícia Federal, queimaram carros, ônibus e depredaram uma delegacia. O clima era tenso em Brasília.
‘COPA 2022’
Enquanto Bolsonaro e aliados ainda tentavam convencer a cúpula das Forças Armadas a apoiar o plano golpista, militares de escalão mais baixo se cansaram de esperar e colocaram em prática o plano “Copa 2022”, que envolvia matar Moraes, segundo a PF. Na noite de 15 de dezembro, o grupo se posicionou nas ruas para executar a operação. Pouco depois, contudo, veio o aviso: “Abortar”. O adiamento de um julgamento no STF os havia pego de surpresa. Tiveram que recuar.
Apesar do revés da operação, o entorno de Bolsonaro era determinado — e inventivo. Na manhã seguinte, o general Mario Fernandes dedicou-se a rascunhar um novo documento, com a criação do Gabinete Institucional de Gestão da Crise. O órgão teria o general Augusto Heleno como chefe de gabinete e Braga Netto como coordenador-geral. Bastava uma assinatura do presidente, que tentava, sem sucesso, angariar apoio das Forças Armadas enquanto sofria pressão para aceitar a derrota para Lula.
Em meados de dezembro, num jantar na casa do então ministro das Comunicações, Fábio Faria, em Brasília, Bolsonaro ouvira do ministro Dias Toffoli, do STF, um apelo para que desmobilizasse os acampamentos em frente aos quartéis. Respondeu que não agiria nesse sentido, uma vez que não havia os convocado. O magistrado, então, sugeriu que ele avaliasse deixar o país para não incitar ainda mais os apoiadores, que estavam inflamados. Na véspera do Natal, Bolsonaro passeou de moto para dar uma última olhada no acampamento no QG do Exército. Um explosivo foi encontrado horas depois por policiais na via de acesso ao aeroporto da capital federal.
Isolado na ideia de encontrar uma alternativa para permanecer no poder, a um dia do fim do mandato, Bolsonaro fez uma “live” pela manhã, chorou e disse que “foi difícil ficar dois meses calado, buscando alternativas”:
— Mesmo dentro das quatro linhas da Constituição, você tem que ter apoio.
Às 14h02m de 30 de dezembro, Bolsonaro entrou no avião da FAB com destino a Orlando, nos Estados Unidos. De lá veria, em 8 de janeiro, golpistas invadirem as sedes dos Três Poderes. Em pouco tempo, as instituições reagiram. Os vândalos foram presos e condenados. Em 21 de novembro de 2024, a PF concluiu que Bolsonaro não agiu dentro das quatro linhas da Constituição — e foi responsável por arquitetar um golpe.
Renata Agostini — Brasília
‘‘Sai todo mundo”, disse Jair Bolsonaro para os poucos auxiliares que o acompanhavam na biblioteca do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, no início da noite daquele domingo, 30 de outubro de 2022. As únicas vozes que se ouviam no local ressoavam da TV. Dela, era possível ouvir a notícia de que, com mais de 90% das urnas apuradas, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno já podia ser dada como certa.
Meia hora antes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do então presidente, já havia jogado a toalha. Sentado à mesa, fazendo contas no celular, vaticinara que a eleição estava perdida. No grupo de WhatsApp de ministros do governo, era possível ler o aviso de Mauro Cid, então ajudante de ordens: ninguém deveria aparecer por lá. Os dias seguintes seriam marcados pela reclusão de Bolsonaro.
Embora evitasse dar declaração pública logo após a sua derrota nas urnas, o ex-capitão do Exército não estava em silêncio nos bastidores. A Polícia Federal concluiu na última quinta-feira que Bolsonaro e aliados tramaram um golpe contra a democracia — que envolvia a prisão de autoridades públicas e até o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), do atual presidente Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin. Ao todo, 37 pessoas foram indiciadas. Entre elas, o ex-presidente e 24 militares, que negam as acusações.
A conclusão dessa investigação está sob sigilo. Mas, para reconstituir os principais momentos da trama golpista, o GLOBO ouviu 28 pessoas que assessoravam e estiveram com Bolsonaro em seus últimos momentos no poder, analisou mais de mil páginas de relatórios da PF, decisões judiciais e depoimentos de alvos de investigações.
‘Vai ser o caos’
Dois dias depois do resultado das urnas, por volta das 7h, o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mal tinha engolido o café quando soube que o senador Flávio Bolsonaro estava na porta de sua casa:
— Você precisa me ajudar a convencer meu pai a anunciar a transição ou vai ser o caos.
A poucos quilômetros dali, no Alvorada, o dia de Bolsonaro também começou cedo. Antes das 9h, o general Marco Antônio Freire Gomes, o almirante Almir Garnier Santos e o tenente-brigadeiro Carlos Baptista Júnior, comandantes das Forças Armadas, acomodavam-se em uma mesa para uma reunião com o presidente. Completavam o grupo os ministros da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o advogado-geral da União, Bruno Bianco.
Durante uma hora, discutiu-se se havia meio jurídico para questionar o resultado da eleição. Chegou-se a debater a possibilidade de usar o artigo 142 da Constituição Federal para fazer uma interpretação forçosa de que as Forças Armadas poderiam “defender as instituições democráticas” atuando como poder moderador, uma tese que o próprio STF já rechaçou. Parte da mesa se mostrava desconfortável com essa possibilidade. Bianco argumentou que não via qualquer espaço para esse entendimento. Freire Gomes disse que não enxergava forma de o Exército agir. Bolsonaro pareceu anuir, mas não desistiu de pensar em uma solução para continuar no poder.
À tarde, a reunião seria mais longa. Sob pressão para reconhecer o resultado das eleições em público, Bolsonaro intimou a sua equipe para uma reunião no Palácio da Alvorada. Entre ministros, parlamentares, filhos e auxiliares, quase 40 aliados se encontraram para debater como seria a sua primeira fala após perder as eleições. Mais de duas horas de discussões depois, o comunicado ficou pronto. O ex-presidente disse que continuaria cumprindo a Constituição. Coube a Ciro anunciar que iniciaria a transição de governo.
No fim daquele dia, um Bolsonaro até sorridente se colocou frente aos ministros do STF, fez piada sobre futebol, segundo um dos presentes. O ministro Edson Fachin saiu da sala dizendo que o presidente reconhecera a derrota nas eleições, ao menos para os integrantes da Corte. Tudo parecia resolvido.
No dia seguinte, porém, Bolsonaro voltou a se encontrar a portas fechadas e sem registro na agenda com os comandantes das Forças, que ficavam cada vez mais desconfiados da intenção do presidente. Entre um assunto e outro, o então mandatário reclamava que era preciso “parar os abusos de Alexandre de Moraes”, de acordo com relatos dos próprios militares tempos depois.
DEPRESSÃO
Quem visitava o então presidente na residência oficial costumava dizer que o encontrava cabisbaixo. Era a fase da “depressão”, dizem aliados. Até então, Bolsonaro nunca tinha perdido uma eleição desde 1988. Para piorar a sua frustração, ele também passou a lidar com uma crise de erisipela na perna, que o forçava a ficar constantemente de bermuda e colocar os pés para o alto onde quer que parasse.
Além de ministros e ajudantes de ordens, Bolsonaro recebia aliados, como o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) para discutir, entre outros assuntos, o uso das Forças Armadas para postergar a passagem de poder para Lula ou ainda viabilizar uma “auditoria” da eleição.
Por isso, Bolsonaro ficou irritado quando, em 9 de novembro, o Ministério da Defesa encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um relatório afirmando não ter encontrado fraudes no sistema de votação do país. O então presidente não gostou da conclusão. Não tardou para a pasta divulgar uma nota, afirmando que o documento “não excluía a possibilidade de fraude”, embora não a tivesse apontado.
Naquele mesmo dia, o general Mario Fernandes, número dois da Secretaria-geral da Presidência, havia deixado o Palácio do Planalto rumo ao Alvorada com um documento de três páginas impresso pouco antes em seu gabinete. Para os investigadores da PF, tratava-se do plano “Punhal Verde e Amarelo”, um complô para prender e assassinar o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, Lula e Alckmin. Fernandes integrava os “kids pretos”, grupo de militares das “Forças Especiais” do Exército brasileiro.
Foi também a um "kid preto" que Cid recorreu cinco dias depois quando precisava de uma estimativa de gastos para colocar o plano golpista em prática. O ajudante de ordens escreveu ao major Rafael Oliveira, conhecido como Joe, para perguntar se R$ 100 mil seriam suficientes. Ouviu que sim. Naquele momento, Bolsonaro apresentava aos comandantes das Forças Armadas os achados do relatório do “Instituto Voto Legal”, que apontava falsamente para uma fraude no processo eleitoral.
Em 15 de novembro, milhares de apoiadores de Bolsonaro saíram às ruas bradando contra o STF e a eleição de Lula. À noite, o celular de Cid recebeu uma mensagem de Joe, avisando que já levantara as “necessidades iniciais” de um plano que teria como objetivo “neutralizar” Moraes. Em 18 de novembro, o general Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro, decidiu falar a apoiadores nos jardins do Alvorada:
— Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar agora.
‘MINUTA GOLPISTA’
O assessor especial da Presidência Filipe Martins e um pequeno grupo de aliados foram ao Alvorada em 19 de novembro, um sábado, debater com Bolsonaro um texto que, entre outras coisas, faria uma intervenção no TSE, abrindo espaço para medidas de exceção, como a prisão de adversários políticos. Segundo relato de Cid, o presidente ouviu e pediu ajustes na minuta golpista. Cinco dias depois, os três comandantes das Forças Armadas foram convocados novamente ao Alvorada para ouvirem do então mandatário as medidas “em estudo”. Garnier, então comandante da Marinha, colocou-se à disposição, segundo relato dos presentes. Os demais militares, não.
A segunda-feira, 9 de dezembro, marcaria uma virada no comportamento de Bolsonaro. Naquela manhã, o presidente passou horas reservado, revisando e “enxugando” a minuta golpista, como relatou Cid a Freire Gomes por mensagem. À tarde, o então presidente quebrou o silêncio. Após algumas semanas de isolamento, dirigiu-se a um grupo de apoiadores em frente ao Alvorada e disse que nada estava perdido e que estava diante de um “momento crucial”. Pouco depois, cruzou os portões do Alvorada o general Estevam Theófilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, cuja adesão à trama golpista era vista pelo grupo de Cid e dos “kids pretos” como essencial, já que o chefe do Exército resistia à intentona.
As conversas pareciam ter animado Bolsonaro que, nos dias que se seguiram, caminhou por mais duas vezes até o espelho d’água do Alvorada para saudar apoiadores, mas não discursou. Foi o que ocorreu na tarde de 12 de dezembro, pouco após a cerimônia em que Lula e Alckmin foram diplomados no TSE. À noite, bolsonaristas radicais tentaram invadir a sede da Polícia Federal, queimaram carros, ônibus e depredaram uma delegacia. O clima era tenso em Brasília.
‘COPA 2022’
Enquanto Bolsonaro e aliados ainda tentavam convencer a cúpula das Forças Armadas a apoiar o plano golpista, militares de escalão mais baixo se cansaram de esperar e colocaram em prática o plano “Copa 2022”, que envolvia matar Moraes, segundo a PF. Na noite de 15 de dezembro, o grupo se posicionou nas ruas para executar a operação. Pouco depois, contudo, veio o aviso: “Abortar”. O adiamento de um julgamento no STF os havia pego de surpresa. Tiveram que recuar.
Apesar do revés da operação, o entorno de Bolsonaro era determinado — e inventivo. Na manhã seguinte, o general Mario Fernandes dedicou-se a rascunhar um novo documento, com a criação do Gabinete Institucional de Gestão da Crise. O órgão teria o general Augusto Heleno como chefe de gabinete e Braga Netto como coordenador-geral. Bastava uma assinatura do presidente, que tentava, sem sucesso, angariar apoio das Forças Armadas enquanto sofria pressão para aceitar a derrota para Lula.
Em meados de dezembro, num jantar na casa do então ministro das Comunicações, Fábio Faria, em Brasília, Bolsonaro ouvira do ministro Dias Toffoli, do STF, um apelo para que desmobilizasse os acampamentos em frente aos quartéis. Respondeu que não agiria nesse sentido, uma vez que não havia os convocado. O magistrado, então, sugeriu que ele avaliasse deixar o país para não incitar ainda mais os apoiadores, que estavam inflamados. Na véspera do Natal, Bolsonaro passeou de moto para dar uma última olhada no acampamento no QG do Exército. Um explosivo foi encontrado horas depois por policiais na via de acesso ao aeroporto da capital federal.
Isolado na ideia de encontrar uma alternativa para permanecer no poder, a um dia do fim do mandato, Bolsonaro fez uma “live” pela manhã, chorou e disse que “foi difícil ficar dois meses calado, buscando alternativas”:
— Mesmo dentro das quatro linhas da Constituição, você tem que ter apoio.
Às 14h02m de 30 de dezembro, Bolsonaro entrou no avião da FAB com destino a Orlando, nos Estados Unidos. De lá veria, em 8 de janeiro, golpistas invadirem as sedes dos Três Poderes. Em pouco tempo, as instituições reagiram. Os vândalos foram presos e condenados. Em 21 de novembro de 2024, a PF concluiu que Bolsonaro não agiu dentro das quatro linhas da Constituição — e foi responsável por arquitetar um golpe.
Renata Agostini — Brasília
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